
Falta de atendimento a autistas pelo plano Mediservise em Belém leva mães ao desespero e à Justiça
Por Camila Eneyla Costa.
Em Belém do Pará, mães de crianças autistas enfrentam um impasse angustiante: a ausência de clínicas que realmente atendam pelo plano de saúde Mediservise/Porto Seguro. Embora o site da operadora indique unidades credenciadas na cidade, as mães relatam que, ao entrarem em contato, as clínicas informam que não aceitam o convênio. A própria seguradora reconheceu, segundo relatos, que não possui rede credenciadapara atendimento de autistas em Belém. O resultado é um cenário caótico, em que famílias ficam sem direção, à mercê de promessas que não se cumprem.
A empresária C. E. (nome abreviado para preservar a identidade), mãe de um menino autista, compartilhou a tensão vivida diariamente. “Estou há anos esperando para que meu filho seja atendido pela MediServise/Porto Seguro. Eles me enviaram um e-mail dizendo que não possuem rede credenciada aqui em Belém e estou tendo um transtorno, pois o meu filho está com muitas dificuldades e as crises vêm aumentando a cada dia.” Ela contou que, apesar de desejar evitar o caminho desgastante de uma denúncia formal à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), recorreu ao Ministério Público para obrigar judicialmente o plano a arcar com o tratamento do filho.
Enquanto isso, só restou à família a opção onerosa do atendimento particular. Mas o custo, conforme detalhado por ela, torna-se inviável para a maioria. Para muitos, as terapias exigidas pelos neurologistas — que incluem fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, psicopedagogia e análise do comportamento aplicada (ABA) — ultrapassam valores considerados acessíveis, mesmo para famílias de classe média. Famílias com maior poder aquisitivo conseguem arcar temporariamente com os custos, sacrificando orçamentos, vendendo bens ou ajustando rotinas de trabalho. Já aquelas em situação de maior vulnerabilidade simplesmente não têm como escolher: enfrentam o luto de um diagnóstico que chega junto a uma realidade sem rede de apoio, sem atendimento público ágil e sem plano de saúde que funcione. A desigualdade de acesso torna-se um divisor brutal: enquanto algumas crianças conseguem avançar com acompanhamento profissional, outras ficam à margem, esperando por vagas que não surgem e por políticas públicas que não chegam.
A realidade de O. R., mãe da pequena V. R., de 6 anos, ilustra essa dificuldade. Nos primeiros meses após o diagnóstico, a família precisou custear integralmente as sessões terapêuticas. “Seguindo todas as terapias que a neuropediatra solicitou, pagamos cerca de R$ 11 mil por mês. Fizemos isso pois a V. estava com inúmeros prejuízos no aprendizado da escola.” O diagnóstico precoce veio aos dois anos e meio, quando a criança ainda não falava. “Ela passou o maternal 2 inteiro sem falar e interagir. A professora nem conhecia a voz dela.” Três anos depois, graças à rotina estruturada e terapias intensivas, a evolução é visível. “Ela tem suas limitações, mas bem menos que antes. Quando eu e meu esposo começamos a incentivar a rotina dela, todos os dias, mesmo que cansativo, ela evoluiu muito.”
Contudo, essa não é a realidade da maioria das famílias. Muitas sequer têm acesso a planos de saúde. Outras, mesmo tendo convênio, enfrentam a falta de cobertura efetiva para as necessidades de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), seja qual for o grau de suporte necessário. Os planos, de forma geral, parecem despreparados para lidar com o crescimento exponencial no número de diagnósticos de TEA, tanto no Brasil quanto no mundo. Para algumas famílias, recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido a única alternativa. Mas a espera é longa. Rita Costa, mãe de um adolescente autista nível 2 e também com deficiência intelectual, desabafou: “Eu cansei de esperar. Coloquei meu filho no sistema público para que ele fizesse as terapias e até hoje não o chamaram. Eles falam sempre que tem uma lista enorme de crianças para atender e que assim que chegar a vez dele me avisariam, mas até agora nada.”
A empresária C. E. C. relatou ainda que tenta, há mais de um ano, conseguir uma vaga para o filho no Centro Educacional Ronald Miranda (IONPA), referência em Belém no atendimento de pessoas com deficiência. “Cadastrei meu filho há um ano no IONPA, mas eles dizem que não têm previsão de quando terão vagas para atender meu filho. Estou indignada com essa situação, pois fica evidente que nem o público e nem o particular estão conseguindo suprir a demanda.”
A situação escancara um problema estrutural: os planos de saúde, como o Mediservise da Porto Seguro, não conseguem oferecer cobertura real para crianças autistas em Belém. A aparente rede credenciada não se concretiza na prática, aprofundando o sofrimento das famílias. Essa falha reforça a necessidade urgente de reforma nos planos de saúde, com foco em uma cobertura transparente, ampla e verdadeiramente inclusiva. Especialistas e familiares pedem medidas como fiscalização rigorosa da ANS, reembolso automático para terapias essenciais, mapeamento atualizado das clínicas habilitadas para atendimento de TEA, e garantia de vagas nos serviços públicos e privados.
Enquanto isso não ocorre, crianças seguem sem acesso à estimulação necessária nos anos mais críticos do desenvolvimento — uma janela de tempo decisiva para avanços na comunicação, sociabilidade e autonomia. Mães como C. E. C. e Rita Costa enfrentam essa espera com angústia, vendo os filhos perderem oportunidades de progresso enquanto o sistema público falha e os planos de saúde se omitem. Sem alternativas acessíveis, tornam-se gestoras da rotina terapêutica dos filhos, enfrentando burocracias, custos altos e a ausência de políticas eficazes. A luta deixa marcas emocionais profundas, mas também revela a força de mulheres que resistem diante de um cenário desigual, em que o cuidado com pessoas autistas ainda é visto como exceção, e não como direito garantido.