Carla Zambelli: passaporte para a impunidade?
Por Vicente Crispino.
Na virada do século XIX para o XX, milhares de italianos cruzaram o Atlântico fugindo do fascismo, da fome e da injustiça. Chegaram ao Brasil marcados pelo trabalho e movidos pela esperança. Trouxeram seus ofícios, seus sotaques e o desejo de recomeçar — e ajudaram a construir o país que hoje conhecemos. Eram trabalhadores em busca de dignidade, não de imunidade.
Avançamos pouco mais de um século e nos deparamos com uma cena absurda: descendentes desses imigrantes, agora com dupla cidadania, tentam fazer o caminho inverso. Mas não para buscar um futuro melhor — e sim para escapar da Justiça.
A deputada Carla Zambelli (PL-SP), condenada pelo Supremo Tribunal Federal a dez anos de prisão por invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça, anunciou a intenção de se mudar para a Itália, onde também tem cidadania. Para muitos, o gesto soa como uma tentativa de fuga da pena. E a resposta não demorou.
O deputado italiano Angelo Bonelli, do partido Europa Verde, reagiu com firmeza. Pediu ao governo a revogação da cidadania de Zambelli e sua imediata extradição ao Brasil. Em vídeo dirigido aos brasileiros, foi direto: “A Itália corre o risco de se tornar um paraíso para gente condenada.” E tem razão.
É difícil não notar a ironia desse ciclo histórico. Antes, vinham os oprimidos. Agora, partem os que tentam fugir das consequências dos próprios atos. Mas a Itália de hoje não é a mesma de cem anos atrás. É um país moderno, com instituições sólidas — e um senso de Justiça que não deve se curvar à conveniência política.
Bonelli fez mais do que um ato administrativo. Fez um gesto simbólico. Um país não se constrói apenas com histórias de exílio e trabalho. Constrói-se também com a coragem de não proteger quem tenta escapar da lei. É isso, agora, que se espera da Itália.