O eco de Eunice Paiva
Reconhecimento póstumo consagra a trajetória de Eunice Paiva, que transformou a dor em coragem e tornou-se símbolo da resistência à ditadura e da defesa dos povos indígenas.
Por Vicente Crispino
Na manhã de quarta-feira, 28 de maio de 2025, o Diário Oficial da União publicou um gesto tardio, mas carregado de simbolismo: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu, postumamente, a Ordem de Rio Branco à advogada Eunice Paiva, mulher que se fez farol em noites de chumbo, onde a verdade era sequestrada junto com os corpos.
Eunice não nasceu heroína. Tornou-se. O destino a convocou em 1971, quando seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, foi arrancado de casa por agentes da ditadura militar e engolido pelo silêncio do Estado. Nunca mais voltou. Nunca mais houve corpo. Só o vazio. E a voz de Eunice, que decidiu não se calar.
Durante 25 anos, ela enfrentou a máquina da negação oficial, empunhando a dor como espada e o amor como escudo. Sua batalha foi por justiça, sim, mas também por dignidade, a dela, a do marido, a de um país inteiro anestesiado pelo medo. Em 1996, o Estado finalmente admitiu: Rubens fora assassinado. Eunice, enfim, teve seu “eu te disse”, ainda que a ausência jamais fosse substituída por papel timbrado.
Mas sua história não se encerra ali. Formou-se em Direito aos 47 anos, porque a indignação também é uma forma de juventude. Jogou-se nas discussões da nova Constituição como quem semeia futuros. E fez da causa indígena sua trincheira, debatendo demarcações de terra com a paixão de quem enxerga nos povos originários a essência da nação brasileira.
Sua trajetória ganhou nova vida nas telas de cinema, com Fernanda Torres vestindo sua dor e sua força no filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. A obra, baseada no livro de seu filho, Marcelo Rubens Paiva, rompeu fronteiras e arrebatou o Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025. A dor privada de uma mãe se tornava, enfim, um hino universal de resistência.
Agora, Eunice é homenageada com a principal condecoração da diplomacia brasileira — a Ordem de Rio Branco, no grau de Comendador. Um gesto que reconhece não apenas os méritos de sua biografia, mas a potência transformadora da persistência.
E como se o tempo enfim aprendesse a pedir desculpas, o governo federal batizou um prêmio com seu nome. O Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia será concedido anualmente àqueles que mantêm acesa a chama do regime democrático. Uma chama que Eunice, com sua voz serena e incansável, ajudou a impedir que se apagasse.
Eunice não está mais entre nós, mas ainda está aqui, nos livros, nas leis, nas lutas que se seguem. Como o eco suave e firme de uma verdade que ninguém mais consegue silenciar.