Onde morava o medo, hoje vivem os quadrinhos de Lucas

Com traços precisos e muita sensibilidade, o artista paraense rompeu as barreiras do silêncio. Suas HQs traduzem medos, afeto e inclusão.


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Por Camila Eneyla Costa

Aos três anos de idade, Lucas Moura Quaresma recebeu o diagnóstico de autismo clássico. Não falava, evitava o olhar, vivia encapsulado em um mundo onde os sons, as luzes e, principalmente, os cães, causavam-lhe pavor. Hoje, aos 31, ele é um artista reconhecido nacionalmente por transformar medos em narrativas coloridas e sensíveis. À frente da Hqs do Lucas, ele cria histórias em quadrinhos que dialogam com crianças e adultos sobre superação, diversidade e inclusão.

A trajetória que hoje enche eventos literários e espaços culturais de esperança e representatividade começou de forma absolutamente íntima e terapêutica. “O medo fazia parte do nosso cotidiano”, conta Eliane Helena Moura Quaresma, mãe de Lucas, arquiteta e sua maior incentivadora. O ponto de virada aconteceu quando ela, determinada a ajudá-lo a enfrentar a fobia de cães, praticamente se plantou no quarto dele e disse: “Só saio daqui quando você desenhar seu medo.” E ele desenhou. Nascia ali a primeira HQ: Vencendo a Fobia.

A semente lançada com aquele primeiro desenho logo encontrou terreno fértil. Thayz, uma designer que acompanhava Lucas para apoiar sua comunicação, enxergou nos traços dele mais do que uma ferramenta terapêutica — viu potencial artístico. Foi ela quem sugeriu que aquela história poderia ajudar outras crianças. E ajudou. Surgiu, então, o blog Hqs do Lucas, e, em 2016, a publicação da primeira HQ impressa: Medo de Papai Noel, baseada no medo real do filho de uma amiga da família.

O que começou como uma coleção sobre medos infantis — Medo de Escuro, Medo de Palhaço, Medo de Avião — rapidamente se expandiu. Vieram histórias que discutem o meio ambiente, como Amazônia Viva e Abelhas, e temas sociais, como Respeito e Inclusão. As publicações de Lucas não apenas ilustram, mas educam e transformam. Seus livros são acessíveis em libras, audiodescrição e versões digitais, chegando a crianças de diferentes perfis e necessidades.

Mas por trás dos aplausos e dos prêmios, como o Prêmio Diversidade Cultural – Sérgio Mamberti, há uma rotina marcada por desafios constantes. “O autismo é severo, e, mesmo com tantas conquistas, há dias muito difíceis. Cada avanço é uma vitória que nos muda, que nos faz crescer como seres humanos”, relata Eliane, emocionada. Ela descreve o filho como um jovem inteligente, literal, apaixonado por cinema e fiel ao conforto do próprio quarto, onde prefere estar ao invés de sair pelo mundo — embora, paradoxalmente, seja no mundo dos quadrinhos que ele se expande sem fronteiras.

Lucas também aprendeu a brincar com o próprio jeito de ver e sentir. No canal do YouTube Hqs do Lucas, ele ilustra ditados populares de forma literal, provocando riso e reflexão sobre como as pessoas no espectro autista processam a linguagem e o mundo. “Pra ele, ‘encher linguiça’ nunca foi papo furado, é literalmente desenhar uma linguiça cheia”, brinca a mãe, sorrindo.

Hoje, o que começou como uma tentativa desesperada de uma mãe para ajudar o filho a enfrentar o medo, tornou-se uma poderosa ferramenta de inclusão, empatia e transformação social. A história de Lucas é sobre autismo, sim. Mas, acima de tudo, é sobre humanidade, sobre como o amor, a arte e a persistência são capazes de redesenhar destinos — traço após traço.


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