Quando a diplomacia falha diante da identidade
É difícil imaginar que, em 2025, um passaporte oficial e uma certidão de nascimento retificada ainda não sejam suficientes para afirmar uma identidade. Mas foi exatamente isso que a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) enfrentou ao tentar cumprir uma agenda diplomática nos Estados Unidos: mesmo sendo reconhecida legalmente como mulher no Brasil, teve o visto diplomático emitido com o sexo masculino. Uma afronta pessoal, institucional e humana.
A justificativa veio em tom burocrático e frio. A embaixada dos Estados Unidos afirmou estar seguindo diretrizes da Ordem Executiva 14168, assinada por Donald Trump, que determina o reconhecimento de apenas dois sexos “imutáveis desde o nascimento”. E com isso, ignorou documentos brasileiros, apagou a dignidade de uma parlamentar eleita pelo voto popular e demonstrou que a política externa americana, em alguns aspectos, voltou a operar sob os ventos retrógrados de Donald Trump.
Não se trata de um simples erro de cadastro. Trata-se de negar uma existência. Erika Hilton não é apenas uma mulher trans com documentos retificados. Ela é uma das principais vozes progressistas do Brasil, a primeira mulher negra e trans a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional. Sua presença ali é, por si só, uma reparação histórica. E sua identidade, como a de qualquer pessoa, não é um capricho, é um direito.
O caso não diz respeito apenas à deputada. Ele acende um alerta para todos os brasileiros e brasileiras trans que podem passar por situações semelhantes fora do país. Revela o abismo ainda existente entre a legislação de alguns Estados nacionais e o reconhecimento pleno da diversidade humana. A diplomacia deveria ser o espaço da construção de pontes, não da imposição de muros ideológicos sobre corpo, sexo e gênero.
Erika, em sua resposta firme, fez o que se espera de uma representante do povo: denunciou, cobrou providências e exigiu respeito. E nós, como sociedade, também devemos fazê-lo. Porque o que está em jogo vai além da política externa ou de normas consulares: o que está em jogo é o direito de ser quem se é, sem precisar pedir desculpas por isso.