O peixe da Semana Santa e o banquete dos poderosos: o retrato cruel da desigualdade no Amazonas

Por Vicente Crispino

Em plena Semana Santa, o Governo do Amazonas promoveu a distribuição de 305 toneladas de peixe para mais de 100 mil famílias em situação de vulnerabilidade. A iniciativa, coordenada pela Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), parece à primeira vista um gesto de solidariedade. Mas por trás da simbologia cristã do alimento compartilhado, esconde-se uma verdade incômoda: mais da metade da população do estado — 55,1% segundo o IBGE em 2023 — vive na pobreza, e 10,5% em extrema pobreza. A pergunta que paira no ar é simples e urgente: até quando o combate à fome será tratado com paliativos?

A resposta parece estar no modelo de gestão adotado. A distribuição pontual de alimentos, embora benéfica a curto prazo, não ataca as causas estruturais da pobreza: falta de acesso à educação de qualidade, saúde pública precária, desemprego crônico e ausência de políticas habitacionais. O que se vê é uma ação de alto apelo visual e baixo impacto duradouro, típica do populismo que transforma a miséria em palco e os pobres em plateia cativa.

Enquanto isso, a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), presidida por Roberto Cidade (UB), destina mais de R$ 4,2 milhões a buffets e coquetéis de luxo pagos com dinheiro público. Só nos primeiros três meses do ano, mais de R$ 1 milhão foi gasto com comes e bebes para eventos institucionais, cifras escandalosas em um estado que disputa o segundo lugar no ranking da pobreza brasileira. Mais grave ainda é que os contratos não têm itens discriminados e foram aditivados, o que fere frontalmente os princípios da transparência e do interesse público.

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É escandaloso que em um território onde 2,2 milhões de pessoas vivem com quase nada, representantes eleitos invistam tanto em conforto próprio e tão pouco em políticas públicas efetivas. Não é exagero dizer que há uma inversão de prioridades: enquanto os cidadãos recebem peixe uma vez ao ano, os convidados da Aleam são servidos com requinte em todos os eventos legislativos.

A pobreza no Amazonas não é fruto da geografia nem do acaso, é o resultado de má gestão, populismo assistencialista e uso indevido dos recursos públicos. O estado precisa de um plano de desenvolvimento real, centrado em educação, infraestrutura e mobilidade social. Sem isso, continuará condenado a esse ciclo de abandono disfarçado de generosidade.

O povo do Amazonas merece dignidade, não esmola institucional.

Com informações de: IBGE, Portal da Transparência da Aleam, Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas.

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