“Ele estava roxinho”: mãe entra na Justiça contra o Governo do Amazonas após morte de bebê por suposta negligência médica
O choro interrompido do pequeno Anthony, de apenas dois meses de vida, ecoa como denúncia contra o sistema de saúde pública do Amazonas. Em dezembro do ano passado, ele faleceu após uma sequência devastadora de atendimentos negligentes nos hospitais públicos da capital. A mãe, Markelly Ferreira, agora recorre à Justiça em busca de responsabilização pelo que considera um crime contra a vida de seu filho.
O caso, que tramita na Vara da Fazenda Pública do Estado, escancara falhas profundas na assistência pediátrica ofertada pelo Governo do Amazonas e pela Secretaria de Saúde (SES-AM). As informações sobre o processo são do portal Alex Braga.
De acordo com o processo, Anthony não recebeu sequer os exames mais básicos na primeira unidade em que foi atendido, o Hospital e Pronto-Socorro da Criança – Zona Leste, conhecido como Hospital Joãozinho. Em vez disso, a mãe saiu com a receita de um xarope e a orientação de fazer lavagem nasal no bebê.
Dois dias depois, sem qualquer sinal de melhora, Markelly procurou outro hospital: o Pronto-Socorro da Criança da Zona Sul. Ali, mais uma vez, o atendimento foi raso e apressado. Segundo registros, a consulta durou apenas 25 minutos. O diagnóstico? Uma “síndrome gripal”, tratada com dipirona, paracetamol e inalação. Nenhum exame, nenhum sinal de preocupação. O médico responsável, segundo apuração do escritório de advocacia que acompanha o caso, sequer era pediatra.
O bebê foi liberado no mesmo dia, em meio a sintomas visíveis de agravamento: dificuldade para respirar, coloração roxa e debilidade. Sem respostas e com o quadro clínico se deteriorando, a mãe retornou ao Joãozinho. Lá, ouviu o impensável: “Só atendemos crianças que já estão morrendo”. “E o meu filho estava o quê? Ele estava todo roxinho”, relata Markelly.
Mesmo diante da emergência, a criança foi inicialmente negada na sala de urgência e encaminhada ao ambulatório. Somente após insistência e novo agravamento do quadro, Anthony foi internado com diagnóstico de pneumonia. No entanto, o hospital voltou a subestimar os sintomas e liberou o bebê do leito, sob justificativa de “quadro estável”.
Foi somente após sucessivas pioras, com sangramentos, paradas cardíacas e dificuldade respiratória extrema, que a gravidade foi reconhecida. O diagnóstico de pneumotórax exigia intervenção imediata com toracotomia e drenagem pleural, mas o socorro veio tarde demais. Às 9h25 do dia 22 de dezembro, Anthony morreu após mais uma parada cardíaca.
A mãe denuncia que, em meio ao desespero, foi expulsa da emergência com o filho nos braços. A ajuda veio de uma única enfermeira que percebeu a gravidade da situação e tentou reverter a decisão da equipe médica, que, segundo Markelly, demonstrou frieza e descaso durante todo o atendimento.
Justiça e indignação
Markelly ingressou com ação indenizatória no valor de R$ 300 mil contra o Governo do Amazonas e a SES-AM, alegando omissão e negligência médica em múltiplas ocasiões. Segundo a defesa, houve falha no diagnóstico, ausência de pediatra, falta de exames e negativa de atendimento adequado mesmo diante de um quadro emergencial.
“O valor da ação nunca será capaz de reparar a dor. Mas é preciso responsabilizar quem falhou. A morte do Anthony não foi uma fatalidade: foi consequência direta do abandono institucional que tantas mães enfrentam quando buscam socorro para seus filhos”, afirma o advogado da família.
Nas redes sociais, o caso gerou comoção. Seguidores da mãe exigem justiça e cobram apuração rigorosa. A morte do bebê, que poderia ter sido evitada com um simples exame ou uma conduta médica adequada, se soma à lista de tragédias anunciadas dentro do sistema de saúde do Amazonas, onde o atendimento infantil, especialmente nas unidades públicas, segue marcado por superlotação, escassez de profissionais e decisões clínicas questionáveis.
Enquanto o processo tramita na Justiça, Markelly vive o luto de quem viu o filho partir diante dos próprios olhos, sem amparo do Estado que deveria protegê-lo. O pequeno Anthony tornou-se símbolo de uma dor coletiva: a de mães que perdem seus filhos por negligência, e de um sistema que insiste em tratar a infância com descaso.
Reprodução: AmazoniaPress