CPI das ONGs: Marina defende Fundo Amazônia; senadores questionam execução
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse acreditar na lisura e legitimidade das organizações não governamentais e organizações da sociedade civil de interesse público que receberam recursos do Fundo Amazônia e que já tiveram seus processos auditados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Durante audiência da CPI das ONGs, nesta segunda-feira (27), enquanto a ministra saiu em defesa do fundo, senadores levantaram dados que, segundo eles, colocam algumas organizações sob suspeição em relação ao uso dos recursos no cumprimento da finalidade de suas atividades na região amazônica.
O relator da CPI, senador Marcio Bittar (União-AC), apresentou dados que indicam que cinco ONGs que já prestaram depoimento na CPI captaram R$ 2,5 bilhões por meio do Fundo Amazônia em poucos anos. Ele quis saber da ministra quais projetos trouxeram resultados efetivos para a população amazônida.
— Algum trabalho em escala foi feito em benefício da população, como água potável? Há fiscalização do Ministério do Meio Ambiente em relação a esse trabalho? — inquiriu o relator.
Marina Silva esclareceu que o Fundo Amazônia é constituído de recurso privado e atualmente soma cerca de R$ 3 bilhões. De acordo com ela, existem projetos demonstrativos e auditados pelo TCU que asseguram a legitimidade e repercussão do trabalho das entidades na região.
— É só pegar o acórdão feito pelo Tribunal de Contas quando instado a investigar o fundo, os projetos do fundo, e deu seu veredito. E deu dizendo que há lisura, o uso correto e, ainda mais, que essas organizações, com os seus projetos demonstrativos, porque não tem como ser diferente, porque R$ 3 bilhões não resolve o problema social, o problema econômico, o problema do saneamento básico do Brasil. Então os recursos do Fundo Amazônia são usados de forma transparente e podem ser auditados não só pelo acompanhamento do banco [BNDES], mas pelo Ministério Público, pela CGU, por entidades autônomas que estão a pedir auditorias, exatamente porque ele precisa ser transparente — disse a ministra.
Na avaliação do presidente da CPI, senador Plínio Valério (PSDB-AM), além de auditorias e do trabalho do TCU, a CPI busca ir além. Ele defendeu ampliar a fiscalização do emprego desse recurso, principalmente no quesito finalidade.
— O que a gente tá querendo aqui é no final apresentar projetos de lei que permitam que o Fundo Amazônia olhe também para essa gente.
Ele citou como exemplo relatório do próprio TCU indicando que de R$ 35,9 milhões ao Iphan, em 2022, para desenvolvimento de projetos, R$ 18,2 milhões foram direcionados a pagamento de salário e encargos sociais. A ministra esclareceu que, como conselheira honorária do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca aprovou ou esteve à frente de projetos realizados pela entidade
Soberania nacional
Na opinião de Marcio Bittar, há uma contradição quando se vê que o mundo todo, há 50 anos, demonstra preocupação com a preservação da Amazônia, enquanto os estados que concentram a maior floresta tropical do mundo estão piorando seus índices de desenvolvimento. Ele ainda questionou a ministra se ela não via incompatibilidade em relação ao cargo que assume, juntamente com seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco, por ambos terem, em algum momento da vida, histórico com ONGs ambientalistas.
— Será que os países que financiam as ONGs que atuam na Amazônia estão de fato preocupados com a questão climática ou do meio ambiente? Será que não está por trás disso um interesse econômico aviltando o interesse nacional? Por outro lado, esses recursos todos que entram no Brasil sempre com essa pegada, eles estão melhorando a vida do povo da Amazônia? Será que isso não constituiu na prática, diferente do discurso, a construção de um exército de militantes, que, entre outras coisas, se unem para lutar contra estrada, contra hidrelétrica, enfim, contra obras de infraestrutura sem as quais a Amazônia não tem como sair da pobreza? — perguntou Bittar.
Marina Silva reforçou a importância do Fundo Amazônia e ainda refutou qualquer suspeição sobre ela e seu secretário relacionada a antigas ligações com organizações não governamentais.
— O que se espera é que, uma vez no cargo público, se esteja a serviço do público, e não do privado. E existem pessoas que sabem fazer essa separação. Imagina se eu fosse alguém do setor industrial e fosse convidada para ser ministra de Indústria e Comércio, se eu iria ficar em suspeição. Absoluto. Não é assim que as coisas acontecem. Existe uma coisa chamada ética dos valores, e não ética de circunstâncias. Quem tem ética dos valores aprende a separar as coisas.
Apoio e infraestrutura
O senador Plínio Valério exibiu vídeos de abandono e falta de assistência aos povos indígenas na Amazônia. Um deles, da cozinheira de garimpeiros Antônia Marques, denuncia o trabalho de ONGs no território ianomâmi — que, de acordo com ela, não prestam assistência na localidade. Outro vídeo indicava a dificuldade de acesso de transporte nas estradas carroçáveis (sem pavimentação), dificultando, segundo o senador, o desenvolvimento da região e até mesmo a chegada de socorro às comunidades que estão isoladas, como na BR-364. A BR é uma rodovia diagonal que liga São Paulo ao Acre, passando por Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Rondônia, sendo fundamental para o escoamento da produção das Regiões Norte e Centro-Oeste do país.
— Vale a pena salvar a humanidade do futuro e condenando essa gente aí a morte? — questionou o presidente da CPI.
Um terceiro vídeo mostrou representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) derrubando imóveis em territórios de conservação. Para o senador, é preciso que o estado garanta o reassentamento desses produtores que ocuparam, na visão dele, alguns territórios na esperança de obter o sustento da família. Plínio ainda transmitiu denúncias de moradores da Reserva Chico Mendes que não estão tendo acesso a direitos básicos demandados por eles, como educação e saúde.
— Não quero fazer pergunta, é só uma afirmação do que eu vi lá. O prefeito de Epitaciolândia quer construir uma escola há dois anos e não permitem. Os doentes saem em redes. E a borracha, eles extraem a R$ 3 o quilo. Tem o subsídio, que demora muito. O cara, se for macho mesmo, produz 5 quilos por dia, R$ 15. Para quem não sabe, os países asiáticos dominam a borracha, eles têm estoque para a vida inteira, portanto insistir nessa coisa de produzir borracha é muito difícil para nós. Não tem como, e todos com quem a gente conversou querem sair de lá correndo.
De acordo com a ministra do Meio Ambiente, o custo da vida humana deve ser sempre respeitado e a vida humana deve ser sempre preservada, mas a proposta do atual governo “é não sacrificar os recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas”.
— E é possível fazer isso sem prejudicar o emprego, sem prejudicar o processo produtivo, é possível, é uma escolha, é um investimento. Dá para fazer num passe de mágica? Obviamente que não. Mas tem que encarar essa transição.
Sobre a reserva ianomâmi, a ministra argumentou que o território, nos últimos anos, foi tomado pela atividade garimpeira, retirando daquela população o direito à subsistência por meio das suas práticas originárias. O que, segundo a ministra, vem sendo revertida pelas ações emergenciais do atual governo. Para Marina Silva, o que não se pode permitir é que pessoas “alheias” estejam ameaçando as pessoas tradicionais.
— Esses criminosos precisam ser investigados para não permitir que a reserva seja invadida. Agora, ter ramais, ter escola, ter posto de saúde, sempre foi o sonho do Chico Mendes, e tenho certeza que é o de Vossa Excelência e de todos nós que estamos aqui.
Convocação
Ainda no início da audiência da CPI, a ministra lamentou que sua participação tenha sido fruto de uma convocação, e não de um convite. Ela justificou a sua ausência na reunião que havia sido marcada na semana passada, em razão de sua presença em uma comissão na Câmara dos Deputados. Marina ainda informou que sugeriu duas datas, em dezembro, após sua participação na COP28. No entanto, Márcio Bittar explicou que as datas sugeridas pela ministra não atenderiam ao prazo previsto para apresentação e votação do relatório final.
Reprodução Agência Senado